Quarentena: parêntesis ou caminho - Parte III
8 de abril de 2020
Na verdade será um desperdício enorme se esquecermos tantas e tão boas coisas que agora se dizem, para retomar o final da minha mensagem de ontem. Então aventuro-me no 3º e último ponto desta reflexão.
Mantendo o hábito cito uma parte da 1ª leitura do Ofício de Leitura de hoje. " Procurai a paz com todos e a santidade, sem a qual ninguém verá o Senhor. Tende cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus, para que nenhuma raiz amarga lance rebentos e cause perturbações e por ela se contamine a comunidade." (Heb 12, 14).
Juntamente com o "Vamos todos ficar bem" sobre o qual ontem refleti, outro incentivo recorrente, com formulações várias, anda à volta disto. "Vamos ser disciplinados para voltarmos rapidamente à vida que tinhamos". E eu não acho nada desejável que isso aconteça! Do ponto de vista de leitura da fé sobre esta pandemia tenho visto alguns acharem que é um castigo, outros pedirem um milagre estrondoso, irrefutável. Ao longo da quaresma (não esquecer que amanhã iniciamos o Tríduo Pascal!) foi-nos acompanhando, quase como um refrão, a afirmação "Diz-lhes isto: 'Por minha vida - oráculo do Senhor DEUS - não tenho prazer na morte do ímpio, mas sim na sua conversão, a fim de que tenha a vida. Convertei-vos! Afastai-vos desse mau caminho que seguis; porque persistis em querer morrer, casa de Israel?' (Ez 33, 11).
Torna-se claro que o que Deus quer é a nossa conversão, que "procuremos a paz e a santidade". Para isso não podemos deixar que "nenhuma raiz amarga lance rebentos", temos de deixar o "mau caminho" que seguimos e que nos leva à morte.
Na verdade vamos reconhecendo que as alterações climáticas estão a acontecer muito mais rapidamente do que o previsto. Por outro lado queixamo-nos duma vida sempre a correr que nos deixa pouco tempo para ser pessoa, para estar com os outros, a começar pela família. Então este tempo pode ser um ótimo tempo para ensaiar, refletir, imaginar, ... formas novas de vivermos. De deixarmos uma economia baseada no consumo de combustíveis fósseis, a "economia do carbono", de vivermos querendo ter sempre mais coisas em vez de usufruir, saborear o que temos.
Arrisco a dizer que temos de preparar o post-Covid, pensando é claro nos que social e economicamente vão ficar mais expostos às consequências desta paragem. Mas também no tipo de vida familiar, económica, social que queremos ter depois. Se os milhões de que se fala forem para que as coisas voltem a ser como eram, que me perdoem aqueles que estão e vão ficar a sofrer com tudo isto, mas que fiquem bem guardadinhos. Não podemos achar piada à dita "Economia de Francisco" (o papa, não eu, claro!) e querer voltar tudo ao mesmo. Se os milhões forem para capacitar as pessoas, esbater desigualdades sociais, etc, então que venham muitos. Se for para nós ficarmos como mais uns euros no bolso para depois irmos à compras e aumentar o consumo e essa coisas todas, volto a dizer, que fiquem onde estão.
Esta experiência de teletrabalho tem de ser refletida com lealdade por todos: empregadores e empregados, legislador, etc... mas voltar a entupir as estradas com gente a caminho do trabalho... não vale dizer que não gostamos disso e não fazer nada para mudar o que a pandemia nos está a mostrar que pode ser diferente. Tem sentido haver pessoas que trabalham muito mais que as 8h diárias e depois pagam impostos mais altos para a Segurança Social poder pagar subsídios de desemprego a quem podia fazer umas tais horas a mais que os outros fazem? Enfim, tanto que pode mudar, se quisermos efetivamente, se fizermos alguma coisa por isso... adverte o salmista "Vou ensinar-te e mostrar-te
o caminho que deves seguir;
de olhos postos em ti, serei o teu conselheiro.
Não sejas irracional
como um cavalo ou um jumento,
cujo ímpeto só é dominado com freio e cabresto,
para os aproximares de ti." (Sl 32, 8-9)
... então, permitam-me, não sejamos burros, recolhamos as lições e preparemos um futuro que não seja voltar ao que era, mas um futuro com dificuldades, feridas (muitas) a sarar, mas um futuro diferente e melhor.
Quem quer começar a pensar nisto a sério? Estou disponível para irmos falando!
Nossa Senhora da Saúde, rogai por nós
Pe. Chico